29.2.08

No Público de amanhã:



Todos julgavam que Laura estava morta. Quando ela reaparece, para espanto de todos, o seu amigo Waldo nota uma certa decepção em Mark, o polícia que investigava o homicídio. E no entanto Mark andava nitidamente fascinado com o retrato de Laura e a casa dela e a aura dela. Waldo opta pelo sarcasmo: «Quando eras inatingível, quando ele pensava que tinhas morrido, foi nessa altura que ele te desejou mais». Laura responde: «Mas ele ficou contente quando eu voltei, como se estivesse à minha espera». Laura tem nome de musa renascentista. E as musas vivem da poesia. [...]

28.2.08

Como se não fosse uma língua

Quando saudei numa crónica a recente reintrodução (facultativa) do latim na missa, houve gente, inclusive católicos, que achou a ideia “reaccionária”. Quem diz isso, não percebe o que está em causa. A questão é estética e simbólica, como explicaram Borges, De Chirico, Auden, Bresson, Dreyer, Montale, Waugh ou Graham Greene num famoso manifesto. Luís Miguel Cintra, numa excelente entrevista à Pública, volta ao tema:

«Acredito é que existe um ritual capaz de unificar milhões de sensibilidades diferentes. A importância desse ritual é enorme. Sempre reagi muito contra a missa em vernáculo porque achava que se afastava da ideia de ritual. O meu pai dizia: “Tu és um reaccionário, não vês que as pessoas têm de perceber o que se está a dizer? Tem de se dizer a missa em português, em latim não se percebe”. Para mim, é como se o latim não fosse uma língua, mas uma linguagem simbólica que fizesse parte do próprio ritual. E achava isso importantíssimo como factor de unificação, pela abstracção, de todas aquelas sensibilidades diferentes».

Cintra explica com elegância a necessidade do latim: o latim é uma linguagem ritual. Unifica pelo ritual as diferentes sensibilidades. E, acrescento eu, distingue uma eucaristia dum acampamento de escuteiros ou duma sessão de karaoke.

24.2.08

Rostos

The apparition of these faces in the crowd:
Petals on a wet, black bough.


(Ezra Pound)



O Estado Civil atingiu um milhão de page views. Obrigado a todos.

23.2.08

22.2.08

God save the Queen, she is a human being

Her Majesty The Queen
Buckingham Palace
London SW1A 1AA

January 31st 2008

Your Majesty,

My name is Mark Oliver Everett. My friends call me "E". I am the singer in an American rock band called Eels. We will be playing a show at your Royal Festival Hall on the evening of February 25th and I would like to extend an invitation for you to attend our performance. We have played the Festival Hall several times and I've noticed that your royal box is usually empty. I'd like to change that. We have also played your Queen Elizabeth and Royal Albert Halls. I don't think you were at those shows either.

I recently saw the movie ‘The Queen’ and while I know that wasn't actually you in the film, it made me think that I would like you as a person. I'd like you to be one of the people who call me “E”. If you're free February 25th, please come down to the show. It's sold out, but I would be happy to put you on the guest list. I also have a new book, ‘Things The Grandchildren Should Know’, and two new compact disc and DVD collections, ‘Meet The Eels’ and ‘Useless Trinkets’. I think you'd enjoy them and I'd be happy to give you complimentary copies of each, which I will even sign for you after the show.

If you're busy, I understand. But if you can free up your calendar, we'd love to see you there. Thank you for your time, Your Majesty.

Sincerely,

Mark Oliver Everett
aka E


(citado do blogue do NME, dica de Mário Lopes)

Gato escaldado

De água fria? Até de suspeitas de água, de água em estado gasoso. Gastas seis vidas, um gato tem que se tornar muito cuidadoso.



«New Year's Kiss» do álbum Etiquette (2006) de Owen Ashworth aka Casiotone for the Painfully Alone

21.2.08

Simone (2)

O legado simonista não anda de boa saúde. Vejam este texto colocado no site do VH1: Carmen Electra. Heidi Klum. Liv Tyler. They're some of the hottest, sexiest women around - and you can't date them. Why not? Because you're not a rock star. Everyone knows guys become musicians for one reason - hot women. And everyone knows the hottest of the hot women end up becoming rock star girlfriends or wives. O texto anuncia o programa televisivo Hot Rock Star Girlfriends & Wives (!); o «everyone knows» diz muito sobre a condição feminina em 2008.

O rabo de Simone

As vestais de Simone de Beauvoir protestaram porque o Nouvel Obs publicou uma foto dela nua (de costas). O rabo de Simone exibido na capa de uma revista «intelectual» seria a prova de que o machismo continua impante. E a «objectificação» significa obviamente menosprezo. Disparates. A exibição da nudez de Simone faz sentido no contexto da sua reivindicação da liberdade sexual. O nu não é obsceno e não tira dignidade a ninguém, especialmente tratando-se de um rabo vulgar de Lineu. É estranho que progressistas tenham reacções de puritanos. A nudez de Beauvoir faz sentido no contexto do seu combate, que passou em grande medida pela escolha dos seus prazeres. É duvidoso que a fotografia adiante alguma coisa, mas não é totalmente gratuita. Há quem pergunte porque não se expõe o rabo, digamos, de Levinas (supondo que foi fotografado); mas Levinas escreveu sobre temas talmúdicos, entre os quais não consta o rabo. No fundo, as vestais não aceitam que a «reivindicação do corpo» feita por Beauvoir leve à objectificação do corpo. Mas toda a libertação sexual é uma objectificação. O rabo de Simone parece insultuoso porque ecoa a frase javarda de Mauriac sobre O Segundo Sexo: «Maintenant, je sais tout sur le vagin de votre patronne». Mas quem quer ser adulto na discussão de vida sexual tem que ser adulto na tolerância à javardice.

20.2.08

Opção

Ela fez uma «opção de classe». Eu fiz uma opção de vida.

18.2.08

Nunca mais servirei senhor que possa morrer

Entrevista

HONEY: This isn't a job interview is it?

HOUSE: It's some kind of interview. You're judging me, I'm judging you.

HONEY: You have the upper hand. I don't know anything about you.

HOUSE: I'm on antidepressants because a doctor friend of mine thinks I'm miserable. I don't like them they make me hazy. I eat meat, like drugs, and I'm not always faithful to the women I date.

HONEY: You don't seem depressed.

HOUSE: You do realise you just skipped over several deep character flaws that most women would run screaming from?

HONEY: You told the truth.

HOUSE: Yeah... I don't always do that either.


(série 3, episódio 22)

O erotismo da infelicidade

É um termo que encontrei em Agustina: «o erotismo da infelicidade». Creio que pouca gente percebe isso. Uns acham que o erotismo é sempre feliz (mentalidade Cosmopolitan); outros julgam que a infelicidade é erótica porque suscita a compaixão (mentalidade ONG). Ignoram que o erotismo é muitas vezes infeliz e que a infelicidade geralmente suscita desprezo.

O «erotismo da infelicidade» é uma noção demasiado aristocrática. E a sexualidade hoje está nas mãos da burguesia.

Não correspondido

Howard Suber, professor na UCLA, escreveu um idiossincrático dicionário de cinema. A entrada sobre «unrequited love» diz que nos filmes comerciais nunca há amores não correspondidos: o amor é sempre correspondido nalgum momento, ainda que seja no passado ou no futuro. A ausência total de reciprocidade impede a existência de uma história. E sem história não há cinema (comercial). Em contrapartida, nota Suber, o sexo não correspondido é uma constante no cinema. E por razões evidentes: porque é um óptimo dispositivo cómico.

A diferença entre o cinema e a vida? Agora não me ocorre nenhuma

13.2.08

Friend of a friend

O desprezo

Não perco tempo com o desprezo. O desprezo é cansativo e inútil. Como escreveu Bernanos com inexcedível exactidão: J'ai cru jadis au mépris. C'est un sentiment très scolaire et qui tourne vite à l'éloquence (...).

12.2.08

O heterossexual sofisticado

O heterossexual «sofisticado» que gosta de Grace Kellys e um dia vê subitamente a necessidade imperiosa de Shannen Dohertys, Tiffany Amber Thiessens e Jennifer Love Hewitts.

11.2.08

A vergonha ocidental



O Supremo Tribunal do Nebraska declarou a cadeira eléctrica inconstitucional. É uma excelente notícia, que talvez tenha continuidade judicial nos 9 Estados que ainda mantêm essa prática inominável.

Além disso, o Supremo Tribunal federal aceitou enfim tomar uma decisão sobre a constitucionalidade da mais comum injecção letal. Decida o que decida, teremos nova discussão pública.

Do mal o menos. Enquanto as consciencias não mudam de princípios, ao menos que se confrontem com a barbaridade dos métodos.

A presença dos Estados Unidos na lista dos países que condenam gente à morte é uma vergonha da cultura ocidental.

A Sala da Guerra

Gentlemen, you can't fight in here! This is the War Room!

Peter Sellers em Dr. Strangelove (1964)

Aquele segundo

Aquele segundo em que alguém decide agredir um amigo e em definitivo terminar a amizade.

Sem amigos

Wilson acusa House de testar demasiado os amigos, exasperar os amigos como quem força o «breaking point». E avisa que assim ele fica mesmo sem amigos.

8.2.08

A Bruni



No Público de amanhã:

O frenesi e o ímpeto de Nicolas Sarkozy indiciavam que o presidente francês não ficaria solteiro muito tempo, declamando Lamartine pelos corredores gélidos do Eliseu. Mal se divorciou de Cecília Albéniz, em Outubro de 2007, apareceram logo várias candidatas possíveis e imaginárias. Mas ninguém estava à espera de uma celebridade mundial. Ninguém estava à espera de uma das manequins mais deslumbrantes das últimas décadas. E ninguém estava à espera de um casamento relâmpago. Nos últimos dois meses, a relação de Sarkozy com Carla Bruni tomou conta dos jornais, tornando mesmo os mais sisudos em tablóides.(...)

Há (nem m'acredito) 23 anos que não ouvia

Mutatis mutandis

Numa entrevista de 1969 ao jornal comunista Il Manifesto, Sartre explica que a «exploração» existe sempre, mas que a «consciência de classe» e a «luta de classes» apenas nascem com o combate.

As miúdas sampaístas

Há miúdas muito sampaístas. Invocam uns vagos «incidentes» e nem explicam: «Dispenso-me de os mencionar um a um, pois são do conhecimento do País». E, em conformidade, dissolvem.

Maverick

John McCain é desde ontem o candidato presidencial da direita americana. Mas muita gente à direita garante que ele não é verdadeiramente de direita.

De que «deslealdades orgânicas» o acusam?

John McCain votou de modo diferente do seu partido nalgumas matérias (impostos, ambiente) em que tinha ideias divergentes.

John McCain recusa a tutela das convicções religiosas sobre as decisões políticas.

John McCain denunciou o fundamentalismo evangélico.

John McCain é contra a visão marcial da imigração.

John McCain não aceita a tortura de prisioneiros.

John McCain atacou as actuais regras de financiamento dos partidos.

John McCain tem cooperado com a «esquerda» moderada em consensos pontuais.

John McCain defende teses em matéria internacional que se distinguem do idealismo cego e do cinismo.

A direita torce o nariz a tantos «desvios». John McCain é demasiado independente, demasiado «maverick». E a direita gosta de gente previsível e ortodoxa em todas as alíneas.

Eu, como imaginam, gosto é de John McCain

6.2.08

e os advogados (Sweeney Todd)

LOVETT: (...) Lawyer's rather nice.

TODD: If it's for a price.

LOVETT: Order something else, though, to follow,
since no one should swallow it twice.

Os poetas (Sweeney Todd)

TODD: Haven't you got poet, or something like that?

LOVETT: No, y'see, the trouble with poet is
how do you know it's deceased?

3.2.08

Emissão



Gerar vida ou limpar com um lenço.

A escolha do objecto de amor nos homens

No ensaio sobre a “escolha do objecto de amor nos homens” (1910), Freud rejeita categorias poéticas e propõe duas tipologias desviantes: 1) os homens que amam mulheres comprometidas 2) os homens que amam putas. No primeiro caso existe acima de tudo hostilidade: o amor pretende atingir um terceiro. No segundo caso existe acima de tudo ciúme: o amor é dilacerado pela promiscuidade sexual.

2.2.08

Brooke Langton na Estefânia






















Um gosto todo abstracto pelas raparigas da minha idade.
No Público de hoje, faço, tarde e a más horas, a evocação de Julien Gracq:

Julien Gracq ficou conhecido pelas suas recusas. Recusou o prémio Goncourt atribuído ao romance Le Rivage des Syrtes (1951), fiel ao que tinha escrito no implacável panfleto La Literature à l’estomac. Recusou o mediatismo, e nunca aceitou participar no famoso programa televisivo de Bernard Pivot. Recusou integrar o séquito intelectual do presidente Mitterrand. Recusou o bulício parisiense, vivendo na pacata Saint-Florent-le-Vieil, em Angers. Foi durante décadas professor de História num liceu. Beatificamente ignorado pelas massas, era apesar disso o único escritor francês vivo incluído na canónica Bibliothèque de la Pléiade. Morreu em finais de 2007, com quase cem anos.(...)

1.2.08

As lições da História















A monarquia, como aliás todos os regimes políticos, gerou figuras detestáveis. Mas há uma ironia cruel nalguns dos regicídios mais famosos. Luís XVI, guilhotinado em 1793, não foi um rei detestável; D. Carlos, assassinado em 1908, não foi um rei detestável; o czar Nicolau II, fuzilado em 1919, não foi um rei detestável. Dois deles eram considerados «fracos» pelos seus contemporâneos, e a monarquia portuguesa vivia uma crise grave.

As chamadas «lições da História» são lições melancólicas.