30.11.07

O verbo galar (5)

Quanto é ao que toca a estoutras damas de aluguer, há muito que escrever delas. Alguns dirão que, como quer que nestas não há aí mais que pagar e andar, não pode haver engano. Neste jogo digo que é ao contrário, porque vereis estar um rosto que é a castidade de Lucrécia luxuriosa, üa testa de alabastro, uns olhos de mordifuge, um nariz de manteiga crua, üa boca de pucarinho de Estremoz (...).

Camões

29.11.07

O sucesso

Admiro acima de tudo as pessoas «de sucesso» que mantêm a sua integridade moral (são pouquíssimas). O Pedro Lomba explica tudo nesta excelente crónica: o sucesso não é um facto mas uma categoria moral. Uma categoria que (acrescento eu) não é felizmente transmissível.

Só que o sucesso não é condição suficiente para se ser uma «pessoa de sucesso». «As pessoas de sucesso» falam um código próprio, usam uma linguagem reconhecível, demonstram uma atitude. Para sermos reconhecidos como «pessoas de sucesso», precisamos de conviver com outras «pessoas de sucesso». A primeira decisão de uma «pessoa de sucesso» é livrar-se de todos os desgraçados à sua volta. Depois, «a pessoa de sucesso» fala abundantemente do seu sucesso, de como o merece e de como nada do que lhe aconteceu foi por acaso. E, muito importante, sempre que pode, «a pessoa de sucesso» escancara na cara dos outros esse estatuto. São um perigo estas «pessoas de sucesso».

28.11.07

O verbo galar (4)

JEUNES GENS, JEUNES FILLES
Quelque aptitude au dépassement et au jeu.
Sans connaisances spéciales.
Si intelligents ou beaux,
Vous pouvez aller dans le sens de l’Histoire,
AVEC LES SITUATIONNISTES
Ne pas télephoner. Ecrire ou se présenter:
32, rue de la Montagne-Geneviève, 5 e


(anúncio publicado na Internationale situacionniste, nº 1, Junho 1958)

O verbo galar (3)



Ilustração de Eric Gill para o livro The Song of Songs (1925)

O verbo galar (2)

You think it horrible that lust and rage
Should dance attention upon my old age;
They were not such a plague when I was young;
What else have I to spur me into song?


W.B. Yeats

O verbo galar (1)

Je m'ennuie que mes Essais servent les dames de meuble commun seulement, et de meuble de salle. Ce chapitre me fera du cabinet.

Montaigne (Essais, 3, V)

Prendas úteis

H/M

Vi uma vez este blogue definido como «um blogue sobre as relações entre os homens e as mulheres». Uma descrição limitativa? De modo nenhum; fora desse tema («as relações entre os homens e as mulheres») não há nada que realmente me interesse.

27.11.07

Da insatisfação

Não sigo, sequer invejo, antes me chegam a meter dó, os facilmente felizes; todos esses que firmam acabado, ne varietur, o que hajam imprimido.

Tomaz de Figueiredo (1902-1970), um dos maiores e mais insatisfeitos ficcionistas portugueses

Combinação

Julgo saber que sou o único cidadão português que esta madrugada tem na mesa de cabeceira a seguinte combinação de livros:

Exit Ghost (Philip Roth) com Jesus de Nazaré (Joseph Ratzinger)

Julien Gracq (Ariel Denis) com Let me In (Mário Testino)

Goodbye Mr. Socialism (Toni Negri) com Ir Pró Maneta (Vasco Pulido Valente)

Diáspora blasée: conclusão

E há muitos mais exemplos, muitos. Um nacionalista dirá que estas luso-descendentes mostram que «o sangue» português é excelente. Concordo. É excelente. Sobretudo quando misturado com o sangue irlandês, italiano, judaico, francês, mexicano, norueguês, etc.

Diáspora blasée 4: Piper Perabo

Nasceu em Dallas, Texas, em 1976. Filha de mãe norueguesa e pai português (George William Perabo). Estudou teatro. Nos últimos dez anos entrou em vários filmes, sobretudo comédias, sendo a mais conhecida o êxito de bilheteiras Coyote Ugly (2000). Foi namorada do actor Matthew Perry. É vegetariana, atinada, dona de um restaurante em Nova Iorque e leitora assídua do blogue Estado Civil.

A literatura salvou-me a vida

Veio ter comigo, estava eu no café, reconheceu-me dos jornais, queria conversar um pouco sobre literatura. Disse que cresceu sem livros em casa, que nunca ligou aos livros. Até ao dia em que que descobriu o livro (disse) «da capa verde». Identificou logo: O Inominável, de Beckett, na edição da Assírio. Começou a ler, comprou, descobriu que aquilo lhe dizia alguma coisa, que aquilo lhe dizia muito, lhe dizia tudo. Se a literatura era Beckett, então a literatura era a coisa que mais lhe interessava. Continuou a espreitar os livros nas livrarias («queria só ver como é que os escritores escrevem»), descobriu outros autores que igualmente o fascinavam, como Yeats ou Faulkner («está todo sublinhado»). Agora, para matar o tempo no seu enfadonho emprego de escriturário, escreve, escreve «frases», já escreveu um romance, escreve poemas. «A literatura», diz (extasiado tímido comovido), «a literatura salvou-me a vida». E agradece os minutos de conversa.
«Toda a gente que lê blogues, mais tarde ou mais cedo cria um blogue», dizia eu, e o Augusto Seabra respondia sempre que não que não. Pois bem: Letra de forma é o blogue de Augusto Seabra.

Senhor fantasma

Quando o fantasma do pai de Hamlet aparece, logo no início da peça, Marcelo diz a Horácio: «Thou art a scholar; speak to it, Horatio». Pegando nessa injunção, Jacques Derrida lembrou que é isso que compete aos intelectuais («scholars»); os intelectuais são aqueles que falam com os fantasmas.

26.11.07

Diáspora blasée 3: Brooke Burke

Brooke Lisa Burke nasceu em 1971, em Hartford, Connecticut. Filha de pai franco-irlandês (de origens aristocratas) e de mãe judia luso-irlandesa (Donna Hatounian). Foi modelo, estudou publicidade e jornalismo. Foi casada com o cirurgião plástico Garth Fisher, de quem teve duas filhas. Tem uma filha com o actor David Charvet e está grávida. Entrou em várias séries televisivas, sobretudo comédias, mas tornou-se popular sobretudo como apresentadora do programa de viagens «sexy» Wild On e como solicitadíssima modelo de fatos-de-banho. Já apareceu na capa de quase todas as revistas masculinas. Fcou na trigésima sétima posição na lista «Hot 100» da revista Maxim em 2002 (e na décima posição na lista da revista Stuff). É difícil encontrar fotos dela vestida.

E se ficássemos por aqui

Alguém devia fazer cartões (de Natal, por exemplo) como os sugeridos pelo ensaísta americano (e snob impenitente) Joseph Epstein. Os cartões diriam por fora:

Já somos amigos há tantos anos.

E por dentro acrescentavam:

E se ficássemos por aqui?

25.11.07

Dezoito meses

Ouvi tantas vezes, desde 1989, a faixa 2 de Strangeways, e foi sempre uma das poucas que não entendia completamente, embora gostasse muitíssimo de tudo. Só todos estes anos depois, no meio de tantas guitarras rítmicas e harmónicas, a letra ganhou sentido. Que é o mesmo que dizer: só agora vivi aquelas palavras. Não na sua hipotética interpretação autêntica (o cunho homoerótico, a violência, a alusão wildeana), mas certamente na sua interpretação metafórica. Primeiro, o acto estúpido: «I doused our friendly venture / With a hard-faced / Three-word gesture». Depois, a percepção do engano: «I started something / I forced you to a zone / And you were clearly /Never meant to go». A seguir, a auto-censura: «Typical me, typical me, typical me». E finalmente a condenação: «And now eighteen months hard labour seems [pausa] fair enough».

Ainda estou a cumprir os meus dezoito meses.

O provedor dos leitores

É evidente que o «provedor dos leitores» de um jornal deve ser crítico, sempre que encontre erros de facto, infracções deontológicas, descuidos, abusos, etc. O provedor cessante do Público esteve bem quando apontou esses desvios, nomeadamente os casos de copy paste via Wikipedia ou media estrangeiros. Mas um provedor dos leitores não é uma arma de arremesso contra os jornalistas. E Rui Araújo foi manifestamente isso durante o seu mandato. O conteúdo dos seus textos estava genericamente correcto; o tom dos seus textos era muitas vezes insuportável. O sarcasmo constante fica mal a um provedor que se queira dar ao respeito. Rui Araújo não escondeu o desprezo que nutria pelos jornalistas do «seu» jornal. Via-se nas constantes generalizações, apartes desnecessários e pelo menos uma grosseria. Vestindo a enfadonha toga do jornalista da «velha guarda», dava a entender que os jornalistas de agora são analfabetos, levianos, pouco éticos. Nos anos que passei no Diário de Notícias, conheci dois ou três exemplares desses auto-proclamados Jornalistas Éticos. A sua arrogância «cultural» não tem limites. E os seus telhados de vidro são de vidro finíssimo. Pensem na intervenção de Rui Araújo na polémica sobre as acusações de plágio a Miguel Sousa Tavares: ainda que ele pudesse ter razão em termos substantivos (e acho que não tinha), não estava manifestamente em condições imparciais para se pronunciar (é amigo próximo de MST, como aliás se notou). Que diabo, até os juízes, que são titulares de órgãos de soberania, pedem escusa quando se sentem incapazes de imparcialidade. Não defendo que o provedor seja inócuo, porque para ser inócuo mais vale não exisitir. Mas o provedor exerce a sua função em favor dos leitores, e não contra os jornalistas. Um provedor não se deve refugiar nas grandes questões teóricas, nem passar a vida a questionar pontos e vírgulas. Creio que Mário Mesquita foi quem melhor cumpriu o cargo até hoje, em parte porque nele confluíam doses exactas de teoria e prática (embora, por exemplo, num plano mais conceptual, Diogo Pires Aurélio tenha produzido bons textos). Joaquim Vieira parece-me uma boa escolha para o Público. O que se lhe pede é que, tal como fez Rui Araújo, critique, questione, discorde, sempre que for caso disso. O que se lhe pede é que, ao contrário de Rui Araújo, não trate os jornalistas como se fossem garotos.

Diáspora blasée 2: Vanessa Marcil

Sally Vanessa Ortiz (Vanessa Marcil) nasceu em 1968, em Indio, Califórnia, filha de pai mexicano e mãe franco-italo-portuguesa (Patricia Marcil Ortiz). É bisneta de Marcel Marceau. Estudou Direito. Entrou nas séries televisivas General Hospital, Beverly Hills 90210 e Las Vegas. Também fez cinema: The Rock (1996) com Nicolas Cage. Foi casada com o actor Corey Feldman. Tem um filho do actor Brian Austin Green. Ficou em décima nona posição na lista «Hot 100» da revista Maxim em 2005.

Dizes isso a todos

Annick, a amante dele, desce da cama para o chão, onde ele está sentado, e diz, com espanto e ternura: «És tão deprimente, Ian».

(De Control, Anton Corbijn, 2007, biopic de Ian Curtis)

23.11.07

Diáspora blasée 1: Krista Allen

Krista Allen nasceu em 1971, em Ventura, Califórnia, filha de pai irlandês e mãe portuguesa (Katherine Mary Raposa). Foi «Jenna» na série Baywatch e fez vários filmes eróticos. Foi namorada de George Clooney. Ficou na septuagésima posição na lista «Hot 100» da Maxim em 2005.

Homenagem a Aurélio Buarque de Holanda

Segundo as minhas fontes brasileiras, o acto sexual tem nomes diferentes consoante o número de convivas envolvidos. Assim, sexo entre 2 pessoas é simplesmente «sexo»; sexo com 3 pessoas é «sacanagem»; sexo com 4 pessoas (2 casais) é «swing»; sexo com um número ímpar de mais de 4 pessoas é «putaria»; sexo com um número par de mais de 4 pessoas é «suruba». Convém saber estas coisas, por uma questão de educação.

(para a Mónica, expatriada no Leblon, e que, segundo um amigo meu, e cito, «escreve textos que dão ponta»)

De patrinis

Can. 874 — § 1. Ut quis ad munus patrini suscipiendum admittatur, oportet:

1° ab ipso baptizando eiusve parentibus aut ab eo qui eorum locum tenet aut, his deficientibus, a parocho vel ministro sit designatus atque aptitudinem et intentionem habeat hoc munus gerendi;

2° decimum sextum aetatis annum expleverit, nisi alia aetas ab Episcopo dioecesano statuta fuerit vel exceptio iusta de causa parocho aut ministro admittenda videatur;

3° sit catholicus, confirmatus et sanctissimum Eucharistiae sacramentum iam receperit, idemque vitam ducat fidei et muneri suscipiendo congruam;

4° nulla poena canonica legitime irrogata vel declarata sit innodatus;

5º non sit pater aut mater baptizandi.


Tudo conforme com a letra da lei. Mas não te esqueças que «a letra mata, e o espírito vivifica». Estará tudo conforme com o espírito da lei?

E se exigimos concordância com o espírito da lei, haverá alguma lei que se sustente? Algum espírito que prevaleça?

Felizes os biologistas, pois deles será o reino das moléculas.

21.11.07

Lucien Leuwen

Politicamente, sem dúvida, estou «à direita». Mas isso não me traz nenhum contentamento. Sinto uma grande e quase igual distância face a «adversários» e «correligionários». Sou como o Lucien Leuwen do romance homónimo (1834), a quem Stendhal atribui esta melancólica interrogação: «O meu destino será passar a vida entre legitimistas loucos, egoístas e educados, que adoram o passado, e republicanos loucos, generosos e entediantes, que adoram o futuro?».

20.11.07

Dois mundos



East London will never forgive
all my wrongdoings
but still it’s the place where I live

North London has a place in her heart
she’s far too strong for me
that’s what I thought at the start


(Hefner)

19.11.07

Não lhe admito

«E é justamente tudo isto que me leva a concluir que Pedro Mexia é um bloguista, Pedro Mexia é um escritor, Pedro Mexia é um crítico literário».

«Nah, eu não lhe admito. Crítico literário é o senhor».

«Não, não, crítico literário é o senhor».

«Não, crítico literário é o senhor».

«Não, pá, crítico literário é o senhor».

«Não, crítico literário é o senhor».

«Não, crítico literário é o senhor».


[com a devida vénia aos Gato Fedorento]

Serviço público

A propósito de lombadas: alguém viu o El País (ou o El Mundo?) de 10 ou 11 de Novembro? É que vinha uma fotografia de Cabrera Infante em casa que eu gostava de ter. Procurei na Net e só encontrei fotos com planos aproximados: nessa edição de há 1 semana vinha um plano de conjunto, colossal, da biblioteca do triste tigre. Quem conseguir encontrar essa fotografia recebe um livro (ou uma base para copos, ou uns cortinados de chuveiro, logo se vê) na volta do correio.

As lombadas

Quando saiu Glória, em 2001, entrevistei Vasco Pulido Valente para a revista LER. Na sua arrumadíssima casa em Benfica, aproveitei os momentos mortos (que quase não houve) e espreitei os seus livros nas estantes.

Ontem, na entrevista de VPV ao Expresso reconheci algumas lombadas: A História da Vida Privada, Paul Johnson, Orlando Figes, Antony Beevor, livros sobre a Revolução Russa. Nessa ida chez Vasco há seis anos quase só vi História (em inglês), embora também me lembre de alguma literatura inglesa contemporânea (Auden, Kingsley Amis, Larkin, etc.), os clássicos portugueses oitocentistas e um número razoável de policiais. Uma biblioteca «Tory», enfim.

Bem sei que as pessoas acham «pedante» que alguém seja fotografado com a sua biblioteca atrás das costas. Eu então é o que mais gosto. «Diz-me o que lês», etc. Espreitar as lombadas alheias é o meu voyeurismo preferido. Ou, vá, o segundo preferido.

Boris



Nunca votei com gosto nas eleições em Lisboa. Também por esse motivo, invejo agora os londrinos: se eu pudesse, no ano que vem botava papelucho neste cavalheiro. A vitória de Boris Johnson seria duplamente positiva: não só se corria com o arcaico Red Ken, como se elegia um dos Tories mais interessantes (e insólitos) desde a retirada involuntária de Michael Portillo. É verdade que os conservadores mais sisudos acham Boris demasiado «heterodoxo»; mas de ortodoxos (e idiotas) está a direita cheia. É altura de acabar com o mofo.

Puxou-me; fugimos por uma ruela da arcada

Quando estou no «estrangeiro» (ou seja: fora de Lisboa), tenho sempre a nítida sensação de que podem acontecer coisas (não sei que coisas: «coisas»). Em Lisboa nunca acontece realmente nada de especial; no «estrangeiro», reconheço, também não acontece nada, mas pelo menos existe essa possibilidade.

16.11.07

Gostei de o ver

Gostei de o ver. Não sei exactamente porquê: nunca fomos amigos nem nada. Mas talvez imaginasse que entretanto tivesse acontecido mais um daqueles acidentes que o perseguiam, desemprego, ejaculação precoce, conflitos quase físicos com o pai, uma experiência homossexual desajeitada, culpabilidade religiosa, quadros que pintava e depois destruía com gasolina.

Talvez imaginasse que estivesse maluco, maluco maluco, gordo dos comprimidos e sempre em clínicas. Talvez imaginei que se tivesse matado.

E gostei de o ver vivo.

15.11.07

Guerra civil / I struck that picture ninety times



Night wings, her hair chains,
Here’s your wooden greenback, sing
Wooden beams and dovetail sweep
I struck that picture ninety times,
I walked that path a hundred ninety,
Long, low time ago, people talk to me

Guerra civil

Ao intervalo, a guerra civil está empatada. E sei que pensavas que já íamos muito além do intervalo.

13.11.07

O feminismo? Qual deles?

O feminismo? Qual deles?

Se «o feminismo» é Virginia Woolf e Ingeborg Bachmann, hats off.

Se é Simone de Beauvoir, Germaine Greer, Martha Nussbaum, Adrienne Rich ou Élisabeth Badinter [já sei que Camille Paglia «não conta»], merece sempre discussão atenta.

Mas e gente que escreve (e pensa) com os pés como bell hooks e Hélène Cixous? Ou chanfradas como Andrea Dworkin (Intercourse), que achava que o coito era sempre violação; estalinistas da literatura como Kate Millett (Sexual Politics); pornógrafas como Annie Sprinkle; ou mesmo uma criminosa de delito comum como Valerie Solanas (SCUM Manifesto)? Se é isso «o feminismo», então valha-vos a beata Hildegarda von Bingen.

Além do mais, confesso que as minhas «feministas» favoritas não são de todo umas sisudas catedráticas de «gender studies»; são mulheres aguerridas com guitarra a tiracolo: Chrissie Hynde, Kathleen Hanna, Kristin Hersh, Justine Frischmann, Liz Phair ou as Sleater-Kinney.

Vaudeville

O último filme que vi já foi descrito por um crítico como um «vaudeville lacaniano». Não entendi bem porquê «lacaniano» (a mim o filme lembrou-me Marivaux); mas diverti-me um bom bocado a imaginar acrobatas, lagartos amestrados e mágicos de cartola a explicar a diferença entre o Simbólico e o Imaginário.

Gestos e fragmentos

Os dois empregados do restaurante deixam passar a rapariga muito gira de botas (i.e.: a rapariga gira que fica muito gira com aquelas botas). Quando ela quase se roça nos dois, eles fazem um gesto de agrado. O normal seria uma discreta cotovelada ou assim. Mas eles dão as mãos, dois segundos, enquanto sorriem, lascivos.

Do biografismo (2)

O campeão não se calava com o seu nietzschianismo entesoado. Estive quase para lhe explicar que Nietzsche teve uma vida sexual de merda.

12.11.07

Gestor de ternura

Agora mesmo, o corrector ortográfico emendou «gestos de ternura» para «gestor de ternura». Gostava de me rir disto com gosto, garantindo que «gestor de ternura» não existe. Mas eu sei que existe. E é das coisas mais tristes que conheço.

Beleza e tristeza (3)



Beleza e tristeza é uma redundância.

Beleza e tristeza (2)

Beleza e tristeza (1)



I'm 22. My body is all right at the moment. It's not going to get better. It could get a lot worse.

Você está sendo traído

Num daqueles mails bizarros mandados a milhões de pessoas, vem escrito isto:

Meu amigo, me desculpe pela minha franqueza, sinto muito em não poder te falar pessoalmente, fico até meio constrangido em te falar mas me sinto na obrigação de te avisar, abra o olho, você está sendo traído, meu amigo. Eu sei que é difícil de acreditar, mas como as imagens valem mais que as palavras, por isso estou lhe enviando essas fotos para que você veja com seus próprios olhos. Se cuida. Um grande abraço.

É um mail enviado por gente que não me conhece, e que nem se destina a mim em especial. E no entanto, o texto contém uma verdade: eu estou «sendo traído». Não sei por quem, nem porquê, mas sei que todos estamos sempre sendo traídos por alguém.

E dessas traições nunca ninguém tirou fotos.

A puta da vida

É uma das frases mais arrepiantes do Evangelho: «vigiai pois, porque não sabeis o dia nem a hora».

Temos esperanças médias, exames médicos, factores de risco, cautelas, cirurgias, estatísticas. Mas não sabemos nada. Nem o dia nem a hora. Nada de nada.

Somos joguetes da vida. A puta da vida.

(i.m. Armando Rafael 1963-2007)

11.11.07

O Norman Mailer da Trafaria

Afinal de contas, até aí nunca tinha falado com nenhum paneleiro, e mesmo no Belenenses, onde joguei futebol durante um mês, o paneleiro que diziam que era paneleiro afinal nem jogava à bola, era o irmão gémeo do gajo que era nosso colega nos juvenis. Fiz rapidamente as contas de cabeça ao que estava a sentir e concluí que, sendo um facto que o máximo de proximidade que tinha tido com um paneleiro era ter jogado à bola no Belenenses com o irmão gêmeo de um paneleiro (...).

(mas leiam o post inteiro, pelas vossas alminhas)

(clientes que leram este post também viram este clip)

Norman Mailer 1923-2007



Não é impunemente que alguém intitula um dos seus livros Advertisements for Myself. Nessa colectânea de artigos, ensaios e provocações publicada em 1959, e que inclui o manifesto existencialista marginal «The White Negro», Norman Mailer estabeleceu a sua figura pública: judeu e esquerdista, machão e egotista, sempre contra o sistema e sempre a favor da notoriedade. Mailer, aliás, foi uma celebridade logo aos 25 anos, com um romance, The Naked and the Dead (1948), que retratava a sua experiência de guerra com grande brutalidade descritiva e verbal Os romances seguintes não teriam a mesma aceitação da crítica, mas entretanto nasceu um dos mais idiossincráticos jornalistas individualistas. O aguerrido Mailer escreveu em jornais e revistas textos sobre temas políticos e pessoais, depois recolhidos em vários volumes. O seu fascínio ambíguo pelos Kennedy deu The Presidential Papers (1963); os ataques ao meio literário, entre outras zangas, apareceram em Cannibals and Christians (1966); e houve ao longo das décadas ensaios sobre tourada, a ida à lua e o boxe, bem como perfis de Marilyn ou Picasso.

Impacto notório teve uma espécie de trilogia da Nova Esquerda americana: Why Are We in Vietnam? (1967), alegoria contra a guerra; The Armies of the Night (1968), relato da marcha sobre o Pentágono; e Miami and the Siege of Chicago (1968), sobre a tumultuosa Convenção Democrata. Os dois últimos são momentos altos do jornalismo combativo, com Mailer actor e retratista dos anos de chumbo da política americana. No New York Times de ontem, Michiko Kakutani escreveu que Mailer tinha «um olho rápido e aguçado; um talento para as aparições fugazes; um radar de morcego para atmosferas e ambientes; e uma prosa tempestuosa e belicosa». Escrevendo sobre si mesmo na terceira pessoa («Mailer»), ele descrevia os estudantes que protestavam e eram presos mas também os seus próprios protestos e detenções. Nunca se punha de fora daquilo que escrevia. Um estilo próximo do «New Journalism» de Tom Wolfe, mas notoriamente menos patrício e mais misturado com o pó e cascalho das ruas. The Armies of the Night, em especial, cujo subtítulo é History as Novel, The Novel as History, inventa uma «ficção não-ficcional» que se alimenta dos factos jornalísticos mas que constrói um texto literário. Para Mailer, esses livros eram «romances» porque «observavam o observador». Ou seja: ele mesmo.

Depois de uma candidatura fracassada à câmara de Nova Iorque (1969), Mailer continuou a vir a terreiro para os mais diversos confrontos. Combateu as feministas que o achavam um ogre misógino (The Prisoner of Sex, 1971); fez campanha contra a pena de morte (The Executioner's Song, 1979); investigou o assassino de John Kennedy (Oswald’s Tale, 1995). O seu fascínio com políticos e celebridades foi uma constante: escreveu sobre a Mafia, o Watergate e a CIA, sobre Cuba e Hollywood, sobre Madonna e Jesus Cristo (The Gospel According to the Son, 1997). E terminou com uma fantasia (decepcionante) sobre Hitler e o Diabo (The Castle in the Forrest, 2007). Nunca ninguém o acusou de falta de ambição. Mas muita gente o acusou de excesso.

Também nunca ninguém o acusou de ter uma vida pacata. Mailer foi casado seis vezes e pai de oito filhos; andou à pancada com gente conhecida, às vezes à cabeçada; bebia até se tornar violento; esfaqueou uma das suas mulheres; apareceu em inúmeros debates e programas de televisão; tinha opiniões sobre tudo, muitas delas estapúrdias; fundou a bíblia da contra-cultura, Village Voice; ganhou duas vezes o prémio Pulitzer; fez cinema e entrou num filme de Godard. Aos oitenta, ainda militou contra a guerra do Iraque, com Why Are we at War? (2003), e teve tempo para se estrear no novo fórum das ideias: a blogosfera (colaborou no blogue The Huffington Post).

Não era um romancista brilhante como Saul Bellow, nem um ensaísta elegante como Gore Vidal. Apesar de ter tido o sonho de escrever outro Grande Romance Americano como The Naked and the Dead, nunca mais acertou, de An American Dream (1965) ao entretenimento Tough Guys Don’t Dance (1984), passando pelo interminável delírio egípcio Ancient Evenings (1983). Alguns dos seus ensaios mais teóricos revelam excesso de testosterona ou mitomania e algumas digressões psico-sexuais indigestas. Mas como «historiador de presente», sempre impulsivo e opinitivo, é um dos colossos contemporâneos: veja-se a antologia de 1300 páginas, The Time of Our Time (1998). É possível que sem a sua presença mediática e polémica, os escritos de Mailer envelheçam, também à medida que os temas sobre os quais escreveu vão sendo esquecidos pela memória colectiva; mas enquanto se discutir os acontecimentos americanos das presidências de Kennedy, Johnson e Nixon, Norman Mailer é uma referência obrigatória. Como na maldição chinesa, coube-lhe viver em «tempos interessantes»; mas nunca se meteu em casa, alheio e elitista; mergulhou nos tumultos contemporâneos e deles deixou o mais poderoso testemunho.

(no Público de hoje)

8.11.07

Biografismo



Os biógrafos acham que Gogol morreu virgem. Suspeitam que fosse impotente. E especulam que talvez gostasse de homens. Tudo isso são factos difíceis de provar. Vendo os retratos do escritor russo, creio que é mais fácil demonstrar por exemplo que Gogol tinha cabelo oleoso.

Adenda: segundo um dos seus tradutores , mesmo o «cabelo oloeso» é boato: era apenas «brilhantina francesa». QED.

Diga 23

Confirmei ao vivo o que suspeitava ouvindo os álbuns: muito músculo (muito muito músculo) e pouco mais. Riffs e secção rítmica incansável não chega. Melodicamente, os Interpol são menos que triviais. E imensamente repetitivos. O clima emotivo que conseguem resulta do contraste entre a exuberância (melancólica) das guitarras e a introspecção estática de Paul Banks. Nos discos, achei interessante; ao vivo (pela segunda vez) não encontro nenhuma «verdade emocional» naquilo. Mas que se tornou um fenómeno de culto, isso é indiscutível. Sala cheia, e muita gente disposta a casar com Banks, mesmo que fosse em regime de separação de bens.

A primeira parte valeu o bilhete. Os Blonde Redhead confirmaram em palco o entusiasmo que me causou 23, especialmete o tema-título. Uma japonesa e dois gémeos italianos soa a cruzamento entre um filme porno e um filme hermético. Qualquer coisa como «The Urethra Diaries, by Peter Greenaway». Kazu Makino estava de vestidinho curto e vaporoso, pernocas ao léu. Simone e Amedeo, vestidos de igual, colete sem mangas e tudo, têm uma trunfa encaracolada e grisalha, algures entre Art Garfunkel e João Lisboa. Musicalmente, eu definia a coisa como Goldfrapp mais My Bloody Valentine. Teclados e tal, com uma sexualidade feminina um nadinha estridente, e depois wall of sound em versão moderada e estilosa. É mesmo o meu segundo disco do ano. E, nesta altura do campeonato, ninguém me vai perguntar qual é o primeiro, pois não?

7.11.07



Então até logo.

A mão no ombro

A maneira como ela agarra o ombro dele.

Nunca senti a mão dela assim no meu ombro.

Os triunfos



With your triumphs and your charms
While they're in each other's arms

Faz depressa o que tens a fazer

Janto um bitoque altamente discutível numa baiuca local. Não está mais ninguém, excepto a dona e o marido dela, sentados noutra mesa. Depois de uma exclamação mais agastada, percebo que discutem. Enfronho a cabeça no paperback e tento não ouvir a crise conjugal. Mas a certa altura ela levanta-se e ele atira com isto:

«Jesus também não sabia que Judas o ia trair».

E ela, dilacerada e magnífica:

«Sabia, sabia. Até lhe disse: ‘faz depressa o que tens a fazer’».

6.11.07

O Mais Velho

Todas as civilizações que se respeitam, respeitam os mais velhos. E quando O Mais Velho já viveu o que nós vivemos agora e nos vê por dentro como se fôssemos transparências, então não se admitem faltas de respeito.



Shadows are falling and I've been here all day
It's too hot to sleep time is running away
Feel like my soul has turned into steel
I've still got the scars that the sun didn't heal
There's not even room enough to be anywhere
It's not dark yet, but it's getting there

Well my sense of humanity has gone down the drain
Behind every beautiful thing there's been some kind of pain
She wrote me a letter and she wrote it so kind
She put down in writing what was in her mind
I just don't see why I should even care
It's not dark yet, but it's getting there

Well, I've been to London and I've been to gay Paree
I've followed the river and I got to the sea
I've been down on the bottom of a world full of lies
I ain't looking for nothing in anyone's eyes
Sometimes my burden seems more than I can bear
It's not dark yet, but it's getting there

I was born here and I'll die here against my will
I know it looks like I'm moving, but I'm standing still
Every nerve in my body is so vacant and numb
I can't even remember what it was I came here to get away from
Don't even hear a murmur of a prayer
It's not dark yet, but it's getting there.




«Not Dark Yet», uma das 51 canções (1962-2007) da caixa Dylan, já nas lojas

Interpelações da semana (4)

É o senhor Pedro? Gostei muito da sua crónica das pilinhas.

(um empregado num café; não faço ideia o que seja «a crónica das pilinhas»)

Interpelações da semana (3)

E então, pensa retomar o tema de Auschwitz?

(um empregado de mesa da pastelaria Bénard, sobre um crónica do Público)

Interpelações da semana (2)

Não és o Pedro? Nós brincávamos juntos quando éramos miúdos.

(um agente da PSP, farda e pêra e tudo, no Centro Comercial Colombo)

Interpelações da semana (1)

Sandrine Bonnaire, não sei se conhece. Não faz parte das suas nymphettes.

(um crítico, ao lado de Sandrine ela-mesma, e evitando a palavra «ninfeta», que é brejeira e rima)

4.11.07

Homenagem a Leonard Maltin

Tenho admiração por uma pessoa que fica bem de amarelo.

Os prazeres

Por motivos simples & complicados (e igualmente aborrecidos) não sou especial amante dos chamados «prazeres da vida». O álcool, por exemplo. O meu consumo é moderadíssimo. E o meu entusiasmo quase inexistente. Por isso fico fascinado com a paixão com que outras pessoas descrevem os seus deleites báquicos. Recentemente, li três livros de escritores sobre alcoóis: cerveja (Francisco José Viegas, lírico e lúdico), vinho (Jay McInerney, didáctico e cristalino) e cocktails (Miguel Esteves Cardoso, veemente e divertido). Não experimentei quase nenhuma das bebidas que eles mencionam, mas tirei bastantes notas mentais. E fiquei surpreendido com as infindáveis ligações que as bebidas mantêm com todos (mas todos) os gestos da civilização. E com a capacidade destes escritores descreverem um prazer, uma das coisas mais difíceis neste mundo de Deus.


Francisco José Viegas, «99 Cervejas + 1 ou Como não morrer de sede no Inferno» (Esfera dos Livros)

Jay McInerney, «A Hedonist in the Cellar» (ed. inglesa Bloomsbury)


Miguel Esteves Cardoso, «Com os Copos» (Assírio & Alvim)

Oceano Índico



Clotilde Hesme (ao meio), actriz em Les amants réguliers (2005) e Les chansons d'amour (2007)

3.11.07

Torradas

Entrevistada pelo Expresso, a actriz Charlize Theron explica assim o seu namoro de 7 anos: «Gostamos ambos de torradas»
Amanhã, domingo, no Rádio Clube Português, participo no programa «Olhos nos olhos» (13-14h), numa conversa (sem moderação) com José Gil. Sobre Portugal e tal.

Sobrou um



(para as meninas com mau perder)

O segundo exacto (3)

VINCENT: How did Marsellus and her meet?

JULES: I dunno, however people meet people.


(John Travolta e Samuel L. Jackson, Pulp Fiction, 1994, de Quentin Tarantino)

O segundo exacto (2)

Não sei se há muitas teorias sobre isto: uma das poucas que conheço foi formulada pelo escritor americano Samuel Delany, que distingue entre «contactos» e «redes». São dois modos de nos relacionarmos com estranhos numa cidade. Um «contacto» é ocasional e socialmente transversal (digamos: numa loja). Uma «rede» é programada e funciona por afinidades (exemplo: um congresso). Não é que a primeira seja mais valiosa que a segunda; mas uma «rede» está meno exposta ao acaso e inclui o vírus da competição, que contamina tudo.

O segundo exacto (1)

Perguntei quando é que ele apanhava a fruta que cultivava, nem me lembro bem qual era. Ignorante agrícola, imaginei que fosse em determinada «estação», ou coisa assim vaga. Ele explicou que apanhava a fruta na manhã do segundo dia da terceira semana do mês tal. Se fosse um bocadinho mais cedo, garantiu, era demasiado cedo. Se fosse um nadinha mais tarde, já nem valia a pena.

Aquilo a que chamamos «meter conversa» (com um/a desconhecido/a) é um ofício muito semelhante. Há um momento exacto: um segundo antes ou depois e é um esforço inútil.

John Cusack



Chamam-lhes «the nerds who get the girls»: Adam Sandler, John Cusack ou Ben Stiller. Mas nada de confusões: Sandler é inexpressivo e fez filmes idiotas (excepto Punch-Drunk Love e Spanglish). Stiller faz às vezes filmes idiotas, mas é um rapaz esperto para quem a comédia é uma segunda pele e que vive as peripécias amorosas como outros vivem uma inundação doméstica. Cusack é o típico gajo porreiro, umas vezes tímido outras vezes desiludido, mas um tipo impecável (e com um timing cómico excelente). Em rigor, apenas Sandler é um «nerd» (embora às vezes um «nerd» que triunfou na vida). Stiller tem obviamente mais mundo mas vive numa espécie de falta de jeito perpétua. Cusack não é nada disso: Cusack é apenas o homem de quem as raparigas não gostam lá muito, mas que é adorado pelas mães das raparigas. Ou seja: é uma figura suavemente trágica.

O espaço de manobra

Porque é que as mulheres mentem? Os homens mentem constantemente, mas os homens são cobardes morais ou canalhas. As mulheres, que geralmente não são uma coisa nem outra, mentem por que razão? Será que é assim que julgam garantir o seu «espaço de manobra»?

O teatro burguês

O que eu gosto é de «teatro burguês». Detesto homilias ideológicas (Brecht, etc) ou canibalismo & sodomia em palco (Kane, etc). O que eu gosto é de tragédias e dramas burgueses. De Strindberg e Tchekhov e Anouilh e Pinter e Mamet. Há excepções: Pirandello e Beckett e pouco mais. Mas o meu cânone teatral é um cânone «realista» e por isso «burguês». E não me digam que isso é «conservadorismo». A não ser que o selvagem Strindberg seja afinal um perigoso «conservador».

O grande plano

Cheguei agora da estreia da versão teatral de Sonata de Outono. Que falta fazem os grandes planos. O texto é forte, embora algo derivativo face a outras coisas de Bergman: a família como teatro de recriminações («é como se o cordão umbilical nunca tivesse sido cortado») e o artista como monstro moral («a noção de realidade exige um certo talento»). E nunca me senti completamente confortável com a utilização da deficiência como artifício dramático (Bergman também usou isso em Lágrimas e Suspiros). Mas sobretudo sinto muita falta dos grandes planos, na contra-cena ou na leitura das cartas, por exemplio. Bergman era um homem do teatro mas escrevia para cinema e sem a linguagem do cinema perde o seu núcleo fundamental.

1.11.07

A debutante

É um verso numa canção dos Hefner: «There's no point in trying, the debutante was lying». O verso seguinte sugere que a mentira tem conotações sexuais, mas isso não é o mais importante (embora seja significativo). O achado aqui está em atribuir uma mentira a uma «debutante», ou seja, a alguém que acaba de «entrar» no mundo social. E não é que ela «já» esteja a mentir mal é debutante; pelo contrário, a sua condição de debutante implica o acto de mentir. É mentindo que se é socialmente aceite. É mentindo que ela se torna numa mulher adulta. E quanto a isso, estamos de acordo, «there’s no point in trying».